Médico geriatra

Café faz bem pra saúde?

Como uma apreciadora nata do cafezinho, eu precisava escrever um artigo sobre essa minha paixão!

Então aproveitei a oportunidade que surgiu: no final de Julho foi publicado um artigo de revisão sobre os efeitos do café na saúde na revista The New England Journal of Medicine, umas das mais importantes revistas científicas do mundo!

Resolvi, então, trazer aqui pra vocês os detalhes mais interessantes do artigo! Espero que vocês gostem!

Vamos entender, finalmente, se o café faz bem ou faz mal para a nossa saúde, se há um limite de dose que seja considerado seguro, quais os efeitos da cafeína nos diferentes órgãos do nosso corpo!!

Metabolismo

O café e os chás são as bebidas mais populares do mundo, o que torna a cafeína (presente nelas) a substância psicoativa mais consumida no mundo!

A cafeína é absorvida em cerca de 45 minutos após a ingestão e sua meia vida nos adultos vai de 2,5 a 4,5 horas (meia vida é o tempo necessário para que a substância seja reduzida pela metade no sangue).

Entretanto, diversos fatores podem alterar o metabolismo da cafeína e, portanto, fazer com que os efeitos dessa substância variem de um indivíduo para outro. Por isso, na prática, podemos observar que alguns indivíduos são muito sensíveis e sentem mais os efeitos da cafeína, enquanto outros quase não os percebem.

Exemplos de fatores que podem influenciar no metabolismo: fatores genéticos, cigarro, anticoncepcionais, gestação, algumas medicações etc.

Outro ponto que vai influenciar na percepção dos efeitos da cafeína é o grau de “tolerância” desenvolvido. Ou seja, aqueles que estão habituados a tomar uma certa dose de café diariamente, acabam “acostumando” seu organismo àquela dose de cafeína. Consequentemente, com o tempo eles vão “sentindo menos” os efeitos da cafeína.

            A tabela a seguir, que foi retirada do artigo que utilizei como referência, traz a quantidade de cafeína (em mg) presente em cada dose padrão dos diferentes tipos de cafés e demais produtos (como os chás).

Para vocês entenderem a equivalência de doses, que são colocadas como fluid oz, explicarei o cálculo que devemos fazer:

  • 1 fluid oz é igual a 29,57 ml, então para converter fluid oz em ml, multiplique por 29,57.
  • Por exemplo, o café coado de 8 fluid oz tem 236 ml. Essa dose contém em média 92 g de cafeína.

Efeitos da cafeína

  • No cérebro:

Aumenta o grau de vigilância e o desempenho mental, devido a maior atenção;

– Pode causar insônia, principalmente se ingerida em horários mais tarde;

– Pode induzir ansiedade, em geral quando ingerida em altas doses;

– Pode reduzir o risco de depressão;

-Pode aumentar o efeito analgésico dos antiinflamatórios, paracetamol e dipirona (por isso várias medicações vêm com a cafeína em sua composição).

  • No pulmão:

– Melhora discreta da função pulmonar em adultos.

  • No fígado:

– Pode reduzir o risco de fibrose hepática, cirrose e câncer.

  • No sistema renal:

– Altas doses podem ter um efeito diurético, mas a ingestão habitual de moderada quantidade não afeta substancialmente o estado de hidratação.

Sistema cardiovascular

Em pessoas que não têm o hábito de consumir cafeína, a ingestão esporádica aumenta os níveis de adrenalina e pode elevar a pressão arterial a curto prazo. Entretanto, para aqueles que tomam café sempre, a tolerância se desenvolve em uma semana e esse efeito não é visto.

Alguns estudos têm mostrado que o consumo de café está associado a uma redução do risco de doenças cardiovasculares, em especial quando esse consumo é de 3 a 5 xícaras padrão por dia.

Sistema endócrino

Por estimular o sistema nervoso simpático, a cafeína pode melhorar o balanço energético, reduzindo o apetite e aumentando a taxa metabólica basal e a termogênese induzida por alimentos.

Câncer e doenças hepáticas

Os resultados de muitos estudos fornecem fortes evidências de que o consumo de café e cafeína não está associado a um aumento da incidência de câncer.

De forma contrária, o consumo de café está associado a uma pequena redução no risco de melanoma, câncer de pele não melanoma, câncer de mama e câncer de próstata.

Vesícula

O consumo de café tem sido associado a um risco reduzido de formação de pedra na vesícula e de câncer de vesícula biliar.

Mortalidade por todas as causas

O consumo de 2 a 5 xícaras (tamanho padrão) de café por dia tem sido associado à redução da mortalidade em estudos realizados em todo o mundo.

A suspensão pode causar abstinência?

Sim! Isso ocorre, em especial, naqueles que ingerem uma quantidade maior de cafeína diariamente.

A interrupção súbita da ingestão de cafeína pode levar a sintomas de abstinência, incluindo dores de cabeça, fadiga, diminuição do estado de alerta e humor deprimido, além de sintomas semelhantes aos de um resfriado. Esses sintomas geralmente atingem o pico de 1 a 2 dias após a interrupção da ingestão de cafeína e têm uma duração total de 2 a 9 dias; isso pode ser reduzido diminuindo gradualmente a dose de cafeína.

Efeitos tóxicos

Os efeitos colaterais da cafeína ocorrem, em geral, quando há ingestão de níveis muito altos. Pode haver: ansiedade, inquietação, nervosismo, insônia, excitação, agitação psicomotora e fluxo descontrolado de pensamento e fala.

Estima-se que ocorram efeitos tóxicos com doses de 1,2 g ou mais e uma dose de 10 a 14 g é considerada fatal.

O alto consumo de bebidas energéticas (contendo aproximadamente 320 mg de cafeína), mas não o consumo moderado (≤ 200 mg de cafeína), resultou em efeitos cardiovasculares adversos a curto prazo (aumento da pressão arterial, alteração no ECG e palpitações).

As pessoas que consomem bebidas energéticas devem, portanto, ser aconselhadas a verificar o teor de cafeína e evitar alto consumo (> 200 mg de cafeína por ocasião) ou o consumo em combinação com álcool.

Conclusão:

            As evidências sugerem que o consumo de café, a principal fonte de ingestão de cafeína em adultos nos Estados Unidos, não aumenta o risco de doenças cardiovasculares e cânceres. De fato, o consumo diário de 3 a 5 xícaras (tamanho padrão) de café tem sido consistentemente associado a um risco reduzido de várias doenças crônicas. No entanto, a alta ingestão de cafeína pode ter vários efeitos adversos e não se deve ultrapassar o limite de 400 mg de cafeína por dia para adultos (excluídas as grávidas ou que estejam amamentando, que têm uma recomendação ainda menor).

Entretanto, devido à variação de pessoa a pessoa no metabolismo e na sensibilidade à cafeína, uma quantidade menor ou um pouco maior pode ser apropriada em casos individuais.

As evidências atuais não garantem a recomendação de ingestão de cafeína ou café para prevenção de doenças, mas sugerem que, para adultos (excluindo-se grávidas ou que estão amamentando, e aqueles não têm condições específicas de saúde), o consumo moderado de café ou chá pode fazer parte de um estilo de vida saudável!

Referência:

  1. NEnglJMed2020;383:369-378. DOI: 10.1056/NEJMra1816604

Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1816604

  1. Nehlig A. Interindividual differences in caffeine metabolism and factors driving caffeine consumption. Pharmacol Rev 2018;70:384-411.
  2. Robertson D, Wade D, Workman R, Woosley RL, Oates JA. Tolerance to the humoral and hemodynamic effects of caffeine in man. J Clin Invest 1981;67:1111-7.
  3. Lovallo WR, Wilson MF, Vincent AS, Sung BH, McKey BS, Whitsett TL. Blood pressure response to caffeine shows incomplete tolerance after short-term regular consumption. Hypertension 2004;43:760-5.
  4. Ding M, Bhupathiraju SN, Satija A, van Dam RM, Hu FB. Long-term coffee consumption and risk of cardiovascular disease: a systematic review and a doseresponse meta-analysis of prospective cohort studies. Circulation 2014;129:643-59. 57. Harpaz E, Tamir S, Weinstein A, Weinstein Y. The effect of caffeine on energy balance. J Basic Clin Physiol Pharmacol 2017;28:1-10.
  5. Micek A, Godos J, Lafranconi A, Marranzano M, Pajak A. Caffeinated and decaffeinated coffee consumption and melanoma risk: a dose-response meta-analysis of prospective cohort studies. Int J Food Sci Nutr 2018;69:417-26.
  6. Caini S, Cattaruzza MS, Bendinelli B, et al. Coffee, tea and caffeine intake and the risk of non-melanoma skin cancer: a review of the literature and meta-analysis. Eur J Nutr 2017;56:1-12.
  7. Lafranconi A, Micek A, De Paoli P, et al. Coffee intake decreases risk of postmenopausal breast cancer: a dose-response meta-analysis on prospective cohort studies. Nutrients 2018;10:112.
  8. Xia J, Chen J, Xue J-X, Yang J, Wang Z-J. An up-to-date meta-analysis of coffee consumption and risk of prostate cancer. Urol J 2017;14:4079-88.
  9. Zhang Y-P, Li W-Q, Sun Y-L, Zhu R-T, Wang W-J. Systematic review with metaanalysis: coffee consumption and the risk of gallstone disease. Aliment Pharmacol Ther 2015;42:637-48.
  10. Larsson SC, Giovannucci EL, Wolk A. Coffee consumption and risk of gallbladder cancer in a prospective study. J Natl Cancer Inst 2017;109:1-3.
  11. Loftfield E, Cornelis MC, Caporaso N, Yu K, Sinha R, Freedman N. Association of coffee drinking with mortality by genetic variation in caffeine metabolism: findings from the UK Biobank. JAMA Intern Med 2018;178:1086-97.
  12. Freedman ND, Park Y, Abnet CC, Hol lenbeck AR, Sinha R. Association of coffee drinking with total and cause-specific mortality. N Engl J Med 2012;366:1891- 904.
  13. Tamakoshi A, Lin Y, Kawado M, et al. Effect of coffee consumption on all-cause and total cancer mortality: findings from the JACC study. Eur J Epidemiol 2011;26: 285-93.
  14. Lara DR. Caffeine, mental health, and psychiatric disorders. J Alzheimers Dis 2010;20:Suppl 1:S239-S248.
  15. Center for Food Safety and Applied Nutrition. Highly concentrated caffeine in dietary supplements: guidance for industry. College Park, MD: Food and Drug Administration, April 2018 (https://www.fda .gov/downloads/Food/GuidanceRegulation/ GuidanceDocumentsRegulatory Information/UCM604319.pdf).
  16. Ehlers A, Marakis G, Lampen A, Hirsch-Ernst KI. Risk assessment of energy drinks with focus on cardiovascular parameters and energy drink consumption in Europe. Food Chem Toxicol 2019; 130:109-21.
Loren Andrade

Loren Andrade

Residência em Geriatria no Hospital das Clínicas da USP. Especialista em Geriatria no InCor - USP

Artigos Relacionados
plugins premium WordPress